A abertura de estradas, como esta em Canaã do Carajás (PA), facilita o avanço para o interior da mata, o que favorece a exploração de madeira e o ingresso de caçadores ilegais, interessados em espécies como a arara-azul. / Foto: João Marcos Rosa
Ainda cantam as aves
As perturbações florestais afetam de maneira distinta as espécies da fauna, entre elas as centenas de variedades de aves da Amazônia. Há apenas um consenso entre os cientistas: na floresta degradada, a perda de biodiversidade é gritante.
Aves são bons indicativos da saúde de uma floresta. Enquanto a presença de certas espécies sinaliza um elevado índice de preservação da mata, a maior ocorrência de outras pode servir de alerta para a degradação. Isso porque há aves que persistem na floresta a despeito das perturbações humanas, enquanto outras não resistem a elas. Mesmo aparentemente favorecidas, as sobreviventes irão habitar uma floresta mais pobre.
Espécies de aves que ocorrem na mesma região podem ser muito diferentes entre si. Enquanto algumas são especialistas – habitam nichos ecológicos pequenos e com características bem específicas – outras recebem a classificação de generalistas. Estas são pouco exigentes no que diz respeito à qualidade do hábitat e dos alimentos disponíveis e adaptam-se melhor a alterações no ambiente, como perda de árvores e mudança do clima.
Para compreendermos melhor esse processo, imaginemos o seguinte cenário: em uma floresta densa e fechada, onde ao pé de grandiosas árvores reina um ambiente com baixa oferta de luz, o solo é úmido e recheado de vermes e insetos. Aqui vivem certas espécies de aves, que gostam do escuro e se alimentam especificamente desses invertebrados. Agora, imagine que cada grande árvore dessa floresta, quando extraída, abre uma clareira por onde entra o sol. O solo exposto perde a umidade, novos tipos de plantas florescem, somem os vermes, mudam os insetos. As aves que deles dependiam entram em declínio.
Conforme o nível de degradação a que essa floresta é submetida – por exemplo, quando é cortada por uma estrada ou fragmentada para dar lugar a pasto – nela restarão apenas aves generalistas, já que essas têm uma dieta mais variada e adaptam-se melhor a ambientes alterados. Em cenários como esses, as generalistas podem até se valer do declínio das especialistas, levando os cientistas a concluir, na análise fria dos números, que certas espécies de aves são beneficiadas pela degradação.
A afirmação é correta do ponto de vista científico, mas o seu real significado ecológico é que a degradação leva ao empobrecimento da diversidade biológica. “As espécies que restam são as de menor interesse de conservação, justamente porque já existem na Amazônia toda, alerta Alexander Lees, ornitólogo da Manchester Metropolitan University (Reino Unido) com atuação na região desde 2004.
Alex acrescenta que, apesar de haver categorizado algumas espécies que encontrou em suas amostras como “potencialmente favorecidas pela degradação”, elas estão em menor número. A categoria “sensíveis à degradação” é, disparado, a líder em quantidade de espécies.
Nas fichas interativas a seguir, desenvolvidas com base nos dados do artigo ‘Anthropogenic disturbance in tropical forests can double biodiversity loss from deforestation’ (‘Distúrbios antrópicos em florestas tropicais podem dobrar a perda de biodiversidade causada pelo desmatamento’), publicado na revista Nature em março de 2016, a realidade imposta pela degradação a algumas das espécies de aves fica mais evidente:
Clique nas fichas para acessar o seu verso e ouvir os cantos das espécies
NOTA TÉCNICA SOBRE O STATUS DE CONSERVAÇÃO DAS ESPÉCIES
O mecanismo mundial para classificação de espécies conforme seu status de conservação é a Lista de Espécies Ameaçadas da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). A lista, que existe para fauna e flora, classifica as espécies segundo categorias que vão de Pouco Preocupante a Extinta, passando por Quase Ameaçada, Vulnerável, Ameaçada, Criticamente Ameaçada e Extinta na Natureza.
Os pássaros destacados na plataforma Floresta Silenciosa desfrutam do status “Pouco Preocupante” porque não estão em risco de extinção. É exatamente essa condição – população grande e estável – que permitiu aos pesquisadores a criação de modelos comportamentais dessas espécies em resposta à perturbação da floresta. Pássaros de população pequena e em risco de extinção são raros e, portanto, difíceis de serem modelados para diferentes contextos de degradação florestal.