Desmatamento e degradação não são a mesma coisa. Enquanto o primeiro é detectado via satélite, o segundo é um vilão discreto: pequenos incêndios, extração ilegal de madeira, fragmentação e caça têm silenciosamente consumido a Amazônia.

Área degradada na Floresta Nacional do Tapajós (PA). / Foto: Flavio Forner

Incêndios
sem notícia

Incêndios na Amazônia têm cúmplices perigosos: o crime, a falta de alternativas, a ineficiência das leis e até as mudanças climáticas. A prevenção ainda é insuficiente e, muitas vezes, suas histórias são pouco contadas.

No noroeste do Pará, o estrago feito pelo fogo. / Foto: Flavio Forner

LEIA MAIS

O problema
com a madeira

A extração predatória de madeira na Amazônia é vilã histórica da preservação da floresta. O manejo sustentável trouxe novas perspectivas para esse velho embate, mas ainda hoje a ilegalidade permeia 90% da produção

Extração de madeira em Nova Ubiratã (MT). / Foto: Bruno Kelly

LEIA MAIS

Ainda cantam as aves

As perturbações florestais afetam de maneira distinta as espécies da fauna, entre elas as centenas de variedades de aves da Amazônia. Há apenas um consenso entre os cientistas: na floresta degradada, a perda de biodiversidade é gritante.

Casal de araracangas na Floresta Nacional do Carajás (PA). / Foto: João Marcos Rosa

LEIA MAIS

Previous

Next

FLORESTA SILENCIOSA

Atenta à agonia imperceptível da floresta, uma equipe formada por cientistas brasileiros e estrangeiros conseguiu algo inédito e determinante para o futuro das florestas tropicais em todo o mundo: criar um parâmetro de avaliação da degradação.

Fatores que contribuem para a degradação na Amazônia Brasileira

Fogo    Madeira    Caça    Fragmentação

Desmatamento é uma das palavras mais ouvidas quando o tema é Amazônia. Quem se preocupa com a floresta acompanha com olhar atento a variação dos índices de desmatamento e comemora quando as políticas de combate se mostram efetivas. Mas essa é apenas uma parte da história. Segundo uma equipe de pesquisadores brasileiros e estrangeiros que desde 2009 monitora a saúde da floresta no Pará ocupar-se apenas do desmatamento resolve menos do que a metade dos desafios impostos à biodiversidade do ecossistema mais rico do planeta. Isso porque há um vilão mais sorrateiro, persistente e negligenciado: a degradação.

Degradação florestal significa o resultado do conjunto de perturbações – perda de biodiversidade e redução de funções ecológicas – que ocorrem por influência humana e a despeito de a floresta continuar de pé. No desmatamento, também chamado de corte raso, a floresta desaparece por completo para dar lugar ao pasto, à monocultura ou, eventualmente, ao simples abandono. A degradação, por outro lado, disfarça-se melhor.

Ela pode tomar as feições de uma área verde que, para olhos menos treinados, em muito se parece com uma floresta intacta. Tal característica colabora para que a degradação seja mais difícil de quantificar e seu combate, menos popular. Recente conclusão da ciência revela, no entanto, que a degradação está longe de ser um problema menor: ela vem silenciando de vida a Amazônia.

Os distúrbios a que as florestas tropicais estão expostas são amplamente conhecidos e afetam a Amazônia há décadas. Grandes algozes são a extração predatória de madeira e o fogo, além da caça de espécies animais e a fragmentação da floresta para dar lugar a cultivos agrícolas. “Esses resultados devem servir de alerta para a comunidade global”, explica Jos Barlow, pesquisador da Universidade de Lancaster (Reino Unido) e principal autor do artigo Anthropogenic disturbance in tropical forests can double biodiversity loss from deforestation (Distúrbios antrópicos em florestas tropicais podem dobrar a perda de biodiversidade causada pelo desmatamento), publicado em junho na revista Nature, um dos periódicos científicos mais importantes do mundo.

Degradação Florestal no Pará

Clique em qualquer polígono para aproximar a tela (zoom in) e acessar uma análise detalhada da degradação naquela área. Clique duas vezes no mesmo polígono para a tela voltar ao padrão (zoom out). Cada polígono representa uma área de estudo com tamanho entre 20 e 50 km². Os polígonos mais claros próximos aos centros urbanos indicam regiões onde não há mais cobertura florestal, por isso o índice de degradação é baixo.



ENTENDA O MAPA

Até hoje, o efeito combinado das perturbações causadas pelo ser humano (madeira, fogo, caça, fragmentação) sobre o valor de conservação das florestas primárias era desconhecido. Os pesquisadores da RAS preencheram essa lacuna de conhecimento por meio de um grande conjunto de dados de plantas, aves e besouros (1.538, 460 e 156 espécies, respectivamente) amostrados em 36 bacias hidrográficas nas regiões paraenses de Santarém e Paragominas. Ao comparar o número de espécies encontradas em florestas intactas com o das mesmas espécies em áreas degradadas, foi possível estabelecer um índice – o Déficit de Valor de Conservação (CVD, em inglês). O que se vê no mapa ao lado é o CVD, que pode ser compreendido como a diferença entre a expectativa e a realidade para cada área. Esse método foi extrapolado para todo o Pará, oferecendo um quadro bastante confiável dos efeitos da degradação no estado e um parâmetro de avaliação para a degradação em florestas tropicais em todo o mundo. Os primeiros resultados são alarmantes e indicam que o valor de conservação nas matas avaliadas é de 50% do esperado, o que indica que, para a biodiversidade, os efeitos da degradação são tão graves quanto os do desmatamento na Amazônia.
Fonte: Barlow, J. et al. Anthropogenic disturbance in tropical forests can double biodiversity loss from deforestation, Nature 535, 144–147 (2016)

“A degradação é, antes de tudo, um processo”, alerta Joice Ferreira, pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental e coautora do estudo. A abertura de estradas facilita o avanço para o interior da mata, o que favorece a exploração de madeira e o ingresso de caçadores ilegais; a atividade madeireira predatória, por sua vez, colabora para tornar a floresta mais suscetível ao fogo; os incêndios podem tomar proporções difíceis de controlar; a degradação, enfim, acaba contribuindo para que aquela área sofra posteriormente o corte raso.

Já o desmatamento é o caminho para a agricultura, em geral com a formação de pasto e a introdução de gado, atividade responsável por fragmentar a floresta e gerar o efeito de borda, fenômeno que torna a mata próxima às áreas abertas mais frágil. Combinados, esses distúrbios aniquilam espécies nativas e desregulam todo o ecossistema. “Há uma sinergia importante entre os fatores”, resume Toby Gardner, do Instituto Ambiental de Estocolmo (SEI, na sigla em inglês) e da Rede Amazônia Sustentável (RAS). “A atividade de um vizinho não é independente da do outro. A degradação florestal na Amazônia é a consequência das atividades de muitas pessoas em muitas escalas”, acrescenta o pesquisador, um dos coordenadores do estudo. “Isso significa dizer que o impacto é compartilhado entre muitas pessoas – e podemos dizer o mesmo sobre a responsabilidade de evitar a degradação”, conclui Toby.

Foi justamente a combinação dos efeitos e suas escalas que despertou o interesse da equipe de pesquisadores da Rede Amazônia Sustentável (RAS), um consórcio de instituições brasileiras e estrangeiras coordenado pela Embrapa Amazônia Oriental, Museu Paraense Emílio Goeldi, Instituto Ambiental de Estocolmo (Suécia) e a Universidade de Lancaster (UK). O principal objetivo do grupo era calcular a consequência de todas as possíveis perturbações humanas em uma floresta. “Há vários estudos que olham para cada um dos efeitos isolados, como a extração de madeira e o fogo. O problema é que as perturbações humanas acontecem todas juntas e uma leva à outra”, explica Jos Barlow, o coordenador da pesquisa.

Foram dois anos e meio em campo. Mais de cem pessoas envolvidas, centenas de propriedades visitadas, milhares de amostras coletadas. “Imagine um pequeno exército de 13 caminhonetes”, conta Jos. “Deu bastante medo para nós na coordenação”, diverte-se. O exército de cientistas saiu à caça de amostras de espécies de árvores, aves e besouros – todos bons indicadores de qualidade de biodiversidade – nos municípios de Santarém e Paragominas, no Pará, ambos famosos por um histórico de atividades com alto impacto ambiental e, também, por uma busca recente por iniciativas mais sustentáveis.

Estima-se 70 milhões de hectares amazônicos ocupados hoje pela pecuária, uma das principais cadeias produtivas do Brasil: o país detém o maior rebanho comercial bovino do mundo, com 212 milhões de cabeças. O problema é que a atividade é o maior vetor do desmatamento na região. / Foto: Bruno Kelly

Para alcançar a combinação total de fatores, a equipe analisou material coletado em 381 pontos de estudo que, juntos, formavam um mosaico variado. De um lado, pastagens e culturas agrícolas – das anuais às perenes, dos mandiocais aos campos de soja, milho e arroz. De outro, diferentes estágios ecológicos das florestas: em regeneração e primárias, plantações de eucaliptos, florestas queimadas ou exploradas para madeira.

Para elencar as aves encontradas, anotavam todas as espécies que eram ouvidas ou vistas durante uma hora e meia em cada área. As plantas eram identificadas com a ajuda de especialistas locais. Mediram árvores, cipós e palmeiras. Ao todo, encontraram 1.538 espécies de flora, 156 espécies de besouros e 460 espécies de aves. “O estado do Pará abriga 10% das espécies de aves do planeta, muitas das quais endêmicas, que só existem ali”, relata Alexander Lees, pesquisador da Manchester Metropolitan University (Reino Unido), um dos autores do estudo e coordenador da RAS. “Nossos resultados demonstram que justamente elas sofrem o maior impacto da ação do homem, pois não sobrevivem em ambientes com esses níveis de perturbação.”

Os cientistas contaram com a ajuda de instituições locais, como os sindicatos rurais e associações, e foram amparados pela extensa rede de parceiros, como a Embrapa, vista com bons olhos pelos agricultores. Bateram à porta dos pequenos produtores e também dos grandes, da agricultura de subsistência à mecanizada. No total, 500 proprietários abriram as porteiras para os pesquisadores – feito considerável em se tratando de zonas marcadas por conflitos entre produtores rurais e ambientalistas.

A combinação de uma coleta extensa de amostras com a variedade de cenários pesquisados tornou possível um cálculo inédito na ciência. Ao comparar o número de espécies de cada tipo – árvores, aves e besouros – encontradas em florestas intactas com o das mesmas espécies em áreas degradadas, foi possível aos pesquisadores estabelecer um índice – o Déficit de Valor de Conservação (CVD, em inglês). A metodologia para se chegar ao CVD é a seguinte: para cada área estudada, os pesquisadores calculam quanto de biodiversidade seria esperado encontrar, dada a quantidade de floresta em pé. A diferença entre a expectativa e a realidade é o déficit para cada área (veja no mapa a seguir).

Aplicando esse índice a Santarém e Paragominas, concluíram que a média de valor de conservação para pássaros, árvores e besouros dentro das matas nas propriedades privadas foi de mais ou menos 50% do esperado – na prática, isso significa dizer que apenas metade do valor daquelas florestas está sendo, de fato, preservada.

No Brasil, cerca de 60% dos remanescentes florestais encontram-se dentro de áreas privadas. Elas são resguardadas pelo Código Florestal, legislação que estipula que até 80% de cada propriedade na Amazônia precisa ser de floresta preservada – a chamada Reserva Legal. Desta forma o Código Florestal busca garantir a quantidade de floresta que, pelo menos na aparência, está de pé. Não há, no entanto, qualquer instrumento cujo foco seja a qualidade daquilo que está sendo mantido.

A falta que a floresta nos faz

“Muitas pessoas vão olhar para aquela paisagem, ver tudo verde e achar que está tudo bem. O que queremos mostrar é que, na verdade, essas florestas estão vazias”

Mas, afinal, o que significa uma floresta silenciosa? Para começar, imaginemos uma floresta sem seus bichos típicos. Com os impactos da degradação, quem primeiro sai perdendo são os mais frágeis. No caso das áreas estudadas, foram as espécies já ameaçadas as que apresentaram maior vulnerabilidade à perda de seu hábitat. Alexander Lees explica que isso ocorre com as espécies endêmicas: “Elas se tornam ameaçadas justamente por conseguirem viver somente em um determinado ambiente e em nenhuma outra parte do mundo”, diz.

É o caso de aves como a ararajuba e o jacamim. A última, espécie Psophia obscura, é candidata a se tornar a primeira ave amazônica a entrar em extinção. O jacamim é o que se pode chamar de uma espécie carismática, muito procurada por amantes de observação de pássaros e querida pela comunidade local. Grande, preta e com pernas compridas, lembra uma garça, com um jeito um pouco mais desengonçado. É endêmica da Amazônia Oriental – só se encontram nos poucos remanescentes florestais de maior extensão que restaram ao leste do rio Tocantins. Não só a perda da floresta, mas também a caça excessiva vêm comprometendo a sobrevivência dessa espécie, que hoje se restringe a não mais que 200 indivíduos.

Porém, mesmo espécies sem aparente valor econômico ou sentimental para as comunidades, como algumas aves e abelhas, podem ser imprescindíveis ao sistema, pois garantem a dispersão de sementes de árvores valiosas ou a polinização de culturas agrícolas. “A maioria das espécies ainda tem utilidade pouco conhecida e muitas delas não foram sequer descobertas”, lembra Alexander.

A maior ou menor perda de biodiversidade dependerá do estágio em que se encontra a saúde de uma floresta. A pesquisa dividiu-as em gradientes, que vão desde florestas intocadas – ou o mais próximo disso que encontraram – até campos de soja. Em áreas onde a floresta está em regeneração após alguma atividade econômica é possível notar que há vida, apesar de em menor quantidade. À medida que a floresta vai dando lugar à agricultura e ao pasto, sem o planejamento necessário para minimizar os impactos, silencia-se. “Esse quadro pode ser alterado com medidas para garantir a conservação das reservas legais e a conexão entre fragmentos florestais, além de maior eficiência na produção para evitar novos desmates”, explica Joice Ferreira.

Não só a conservação de biodiversidade está em jogo. Há uma série de outras atividades que as florestas cumprem, todas de enorme interesse para a espécie humana. A regulagem do ciclo de água e do clima e a proteção ao solo estão entre elas. A relação entre florestas saudáveis e ocorrência de chuvas influi diretamente na produção. Além disso, estudos da rede de pesquisadores concluíram que as florestas que sofreram com extração de madeira e com o fogo armazenam 40% menos carbono do que as florestas que não sofreram perturbações. “Muitas pessoas vão olhar para aquela paisagem, ver tudo verde e achar que está tudo bem. O que queremos mostrar é que, na verdade, essas florestas perderam grande parte de seu valor original”, resume Alexander.

A pesquisadora brasileira Erika Berenguer, especialista em florestas tropicais das Universidades de Oxford e Lancaster e coordenadora da equipe de vegetação do estudo, alerta: “Não podemos apenas levar em conta uma classificação binária – se há ou não floresta. A qualidade da floresta impacta os serviços ambientais que elas nos prestam, por isso precisamos começar a incorporar essa variável nas políticas de conservação”, diz a pesquisadora.

Perda do Valor de Conservação

O mapa mostra o Pará dividido em áreas de endemismo, onde há a ocorrência de espécies de fauna e flora que só existem ali. A Amazônia é dividida em oito áreas de endemismo e, no Pará, encontramos cinco delas: Belém (BE), Guiana (GU), Rondônia (RO), Tapajós (TA) e Xingu (XI). O mapa indica o status de degradação nas áreas pesquisadas. A área de endemismo da Guiana, por exemplo, mostrou o maior índice de perturbação florestal por degradação. Já a de Belém foi a que mais sofreu por desmatamento. As áreas mais escuras – Belém e Xingu – foram as que mais sofreram com a combinação de degradação e desmatamento. Os dados não estão disponíveis para a Ilha de Marajó.

Fonte: Barlow, Jos. et al. Anthropogenic disturbance in tropical forests can double biodiversity loss from deforestation, Nature 535, 144–147 (2016)

É preciso investir na prevenção


Segundo o Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre 2007 e 2013, a área que sofreu degradação florestal na Amazônia – mais de 102 mil quilômetros quadrados – foi o dobro da área efetivamente desmatada – 55 mil quilômetros quadrados – no mesmo período. Com o déficit de valor de conservação em mãos, foi possível aos pesquisadores comparar a perda de espécies causada por perturbações à floresta com aquela resultante do desmatamento em si. No Pará, estado que abriga um quarto da floresta amazônica, essa perda por degradação equivale ao que se foi de biodiversidade por desmatamento nos últimos dez anos em toda a Amazônia brasileira. “Um nível de degradação florestal muito extenso, somado aos seus graves efeitos, faz com que, em grande escala, o impacto da degradação pode ser até maior do que o do desmatamento”, alerta Jos.

“É preciso considerar a degradação como algo tão ruim quanto o desmatamento, pois ela é a sentença de morte da floresta”, afirma Beto Veríssimo, pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Tal mudança de ótica tem implicações na forma como a Amazônia é vigiada e como a ilegalidade é punida.

O status das florestas na Amazônia é monitorado do alto pelo governo brasileiro. É no INPE, com sede em São José dos Campos (SP), que se decodificam as imagens dos satélites que passam com regularidade sobre a extensão da floresta. Diferentes tipos de satélite geram variados níveis de informações. O reconhecimento do desmatamento conta hoje com o Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), que usa satélites com um alcance de visão de até 30 metros no solo, passando com uma periodicidade de 16 dias por sobre a mesma área de floresta e gerando informações quase em tempo real, que são usadas pelas equipes de fiscalização ambiental em campo.

A tecnologia em si é boa e vem avançando. Com esse nível de resolução de satélite, que entrou em operação em 2015 substituindo versões menos precisas, é possível se identificar até quando há retirada seletiva de madeira na mata. Nenhuma outra floresta tropical no mundo conta com tamanho detalhamento no monitoramento quanto a Amazônia. Uma das questões é que não há equipe de fiscalização suficiente em solo que dê conta de estar na hora e lugar onde o problema está ocorrendo.

Jair Schmidt, coordenador de Fiscalização do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), explica como funciona a tomada de decisão em campo. “Nosso principal objetivo é chegar aonde está ocorrendo o desmatamento naquele momento, justamente para impedir que ele prossiga”, diz. O corte raso e a extração ilegal de madeira são as duas frentes mais constantes de ação do Ibama na Amazônia, que é responsável por fiscalizar as florestas em áreas públicas. No caso do que acontece dentro de áreas privadas, sob regência do Código Florestal, a responsabilidade é, em teoria, dos estados, que raramente cumprem sua função. “Se houvesse maior fiscalização por parte das Secretarias Estaduais na Amazônia, teríamos uma ação preventiva maior”, conclui Jair. 

Para Beto Veríssimo, prevenção é a chave. “Uma vez que a degradação pode se tornar uma etapa para o desmatamento, passa a ser estratégico pensar em como evitá-la. É preciso primeiro criar essa cultura na sociedade”, diz Beto. Entre as opções que são hoje estudadas está a obrigatoriedade de recuperação para quem teve a área destruída pelo fogo. “Na medida em que alguém se torna responsável por recuperar a área – e recuperar custa caro – ele passa a ser o primeiro a tentar defendê-la, ou aquilo vira custo.”

Quando o assunto é biodiversidade, as políticas públicas também deixam a desejar. Os pesquisadores criticam o foco em ações voltadas para espécies específicas, sem avaliar de maneira global a qualidade de seus hábitats. “Em geral, as estratégias brasileiras para a biodiversidade são voltadas para a conservação das espécies que já chegaram a um ponto crítico e estão na lista de ameaçadas”, diz Joice Ferreira. “Mas os fatores que levaram aquela espécie à lista não são únicos e não afetam apenas ela, mas todo um ecossistema”, resume a pesquisadora.

Jos Barlow usa o exemplo da extração de madeira para mostrar como ainda estamos longe de incorporar adequadamente a variável biodiversidade no planejamento ambiental da Amazônia. O pesquisador explica que, na hora de selecionar áreas onde se pode extrair madeira sustentavelmente, avaliam-se os efeitos do corte dessas árvores para a vida de espécies que possuem algum risco de ameaça, como o gavião-real. “Mas nosso conhecimento da biodiversidade é tão baixo que a gente nem sequer sabe quais espécies realmente seriam mais importantes de serem levadas em conta. Esse tipo de pensamento atrapalha a tomada de decisão sobre quais áreas devem ser prioritárias para a conservação nos estados”, critica Jos.

A floresta que não quer calar

Se não faltam comprovações científicas, tampouco carecemos de soluções específicas para atacar cada parte do problema. A questão, apontam os especialistas, é coordenar os esforços. “É óbvio que é preciso ter políticas específicas dirigidas à extração de madeira e fogo, mas parte do problema é que o sistema de gestão dessas coisas é desarticulado. É importante não tratarmos as soluções de forma desmembrada”, diz Joice Ferreira.

Do ponto de vista prático, os pesquisadores defendem planejamento para preservação de áreas prioritárias. Isso significa entender a dinâmica das florestas em uma escala ampla, identificando onde estão as áreas em melhor estado de conservação ou onde os serviços ecossistêmicos estão mais comprometidos. Esse planejamento deve valer na seleção de áreas para o manejo florestal sustentável, no licenciamento de hidrelétricas e garimpos de minério e para delimitar a ocupação humana em áreas onde ainda há altos níveis de preservação.

Degradado ou não, cada pedaço verde tem sua relevância. Joice alerta para que a ciência avance em entender quais limites de perturbação deverão ou não ser aceitáveis em algumas áreas. Ainda mais importante é garantir que as evidências científicas que já temos guiem a tomada de decisão sobre as práticas de uso da terra e do manejo sustentável na Amazônia. “Chega a um ponto em que a intervenção humana é tão intensa e severa que a floresta tem muito mais dificuldade de retornar a níveis satisfatórios de conservação de espécies e dos serviços que presta”, explica a pesquisadora. “Precisamos conhecer esses limites e garantir que não serão ultrapassados.” Com o empurrão certo, as florestas silenciadas podem retomar o som da vida.